Foi um amigo quem me chamou a atenção. Eu ainda não havia percebido, mas num fim de tarde desses, ouvi pela primeira vez um tímido coro delas. Um pouco mais e Brasília será tomada pela sinfonia-zumbido, unissonante e monotônica. São as cigarras que estão chegando. Elas vêm sempre depois dos sabiás. Há uma diferença muito grande entre os cantos desses dois personagens da nossa cidade: o sabiá tem uma musicalidade invejável, arrebata multidões. Vez por outra vemos alguém parado, entre as quadras, olhando para as árvores e se deliciando com o solo harmonioso e envolvente do sabiá. O canto da cigarra, ao contrário, não tem beleza, muito menos riqueza. Mas é um canto de esperança – si si si si si si... a chuva se aproxima!
A ciência explica: Tradicionalmente, nessa época do ano, a cigarra sai do solo. O macho vai para as árvores, canta e atrai a fêmea para o ritual do acasalamento. Logo depois, ele morre e as fêmeas saltam para as árvores, colocam seus ovos que viram larvas, e que depois caem no solo, penetram na terra e ficam sugando a seiva da árvore durante três a quatro anos, até recomeçarem seu ciclo. O homem do campo tem outra explicação: quando a cigarra começa a cantar, é sinal que a chuvarada não demora a vir, no máximo um mês. O canto da cigarra chama a chuva.
Eu particularmente, gosto das duas explicações. Uma satisfaz o meu intelecto, a outra a minha percepção humana que integra Criador e criatura. O canto do acasalamento e o canto da esperança. Deus fez a cigarra para preceder a chuva e nos lembrar: um pouco mais e derramarei água sobre vocês.
A chuva, na Bíblia, tem um significado de bênção de Deus para aquelas sociedades iminentemente agrícolas e pastoris. O trigo e a uva encabeçavam a agricultura de subsistência dos judeus. Por isso era importante chover na hora certa (Zc 10.1). Céu limpo e ausente de nuvens era sinal de fome e desolação.
Essa realidade é tão marcante para o povo nas Escrituras que se torna uma figura de linguagem para distinguir o homem insensato do justo. Provérbios compara o homem que se gaba dos presentes que não deu a ventos e nuvens que não trazem chuva (Pv 25.14), enquanto que Salmos compara a presença do homem justo que tem a sua força em Deus à ação da chuva que transforma o vale árido em manancial (Sl 84.6).
Os israelitas dependiam da chuva para que houvesse estabilidade e prosperidade entre o povo. E como quem manda a chuva é Deus, isso os tornava ainda mais dependentes do Senhor. Por isso é que os profetas muitas vezes vêem a chuva como a visita do Alto. É Deus abençoando o Seu povo (Isaías 55.10,11; Jl 2.23). O Senhor promete às suas ovelhas, Seu povo-rebanho: “Eu as abençoarei... na estação própria farei descer chuva; haverá chuvas de bênçãos” (Ez 34.26). Deus está dizendo ao seu povo que os visitaria com as chuvas de bênçãos, isto é, não só com a água que molha o solo seco e esturricado, mas também com sua presença que rega o coração sedento de um verdadeiro e íntimo relacionamento com o Senhor.
Numa de minhas viagens missionárias a África, tive o privilégio de conhecer a Namíbia. A capital Windhoek (que significa literalmente “o gancho do vento” ou “onde o vento faz a curva”) está plantada em pleno deserto. Na verdade, todo o país é um deserto. Os rios secos e a vegetação acinzentada transmitiam um aspecto de morte. A respiração ali era difícil e ardia os pulmões. A água para o consumo humano era, em grande parte, reciclada. Os efeitos de uma terra seca são terríveis para a vida. Namíbia me fez pensar no que significa um coração seco, numa vida sem a Vida. Todavia, a Bíblia me fez lembrar que Deus pode transformar a realidade de uma vida assim, através da chuva que Ele faz cair: “Conheçamos o Senhor; esforcemo-nos por conhecê-lo. Tão certo como nasce o sol, ele aparecerá; virá para nós como as chuvas de inverno, como as chuvas de primavera que regam a terra” (Os 6.3).
O canto das cigarras anuncia: a chuva que Brasília tanto anseia se aproxima. Assim como a música da cigarra é uma canção de esperança, façamos da nossa vida um constante canto de louvor ao nosso Deus, rogando-lhe: Senhor, não demore... Vem sobre nós!
30 abril 2007
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Um comentário:
Gostei muito do texto, Carlinhos.
Rapaz, gostei tanto que fiz um parecido. Se puder da uma olhada lá no meu blog.
Paz.
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